O encontro frutuoso do fotógrafo Luiz Elias com Cora Coralina foi um retorno ao ventre materno de sua mãe na cidade de Goiás, um mergulho de respeito e devoção.
Coralina, a doceira que desafiou as convenções de seu tempo na juventude, e ainda tornou-se poeta ao ultrapassar a barreira dos setenta anos de idade sendo assim identificada e louvada por Carlos Drummond de Andrade, tem o alcance que poucos merecem. Imagino que Cora consagrou-se porque seus poemas cantam a cultura da terra goiana, sua sociedade, sua aldeia universal, e contém sabedoria humana, porque seria uma espécie de sabedoria oral que foi escrita, passando, é claro, pela existência e o filtro genial da mente de Cora. Quando uma linha contém séculos.
Lembro, a propósito da oralidade, que as obras de Homero subsistiram por tradição oral, e que séculos depois, segundo o historiador Arnold Toynbee em A Humanidade e a mãe terra, em torno de 750 A.C. os gregos receberam dos sírios o alfabeto fenício, o que transformou o seu destino na história humana.
Reza o ditado que uma imagem vale mais do que mil palavras. Não é bem assim, os diferentes meios e como se diz hoje, suportes, carregam em si lá as suas capacidades e limitações. Mas, com efeito, as imagens instantâneas e as “fotos paradas” como dizem em inglês, fazem parar, olhar e quem sabe pensar.
A fotografia de Cora, que localizamos em um cromo no baú do Elias que veio a lume no portal Goiás de Portas Abertas, me chamou especialmente a atenção. Cora simbolicamente debruça-se sobre um caderno tendo ao fundo uma janela para o mundo. Se não foram suas anotações em forma de poemas que trouxeram o seu mundo para quem tem a sorte de a ler? Quem sabe todos os que vejam nela o que eu contemplo, poderiam ajudar a decifrá-la.
Poeta da imagem que não se constrói, que não invade, destrói ou disseca, Luiz Elias é um fotógrafo raro. Desses que não se inventa. Luiz desvela.
Ele é fotógrafo desprovido daquela atitude olímpica preocupada com a própria arte seja em uma ótica autocentrada, egocêntrica, discursiva, metafísica, filosófica, política ou esteticamente revolucionária. A sua arte não é quadrante, não é quadrado, não é espelho. As suas fotografias não são teoria, manifesto, alter-ego, pós-isso ou neo-aquilo. Ele não vê do ponto de vista de um partido, não se projeta.
Luiz está interessado é nos outros! Quando ele clica e num processo fotossensível captura a luz e a existência busca a pureza do olhar. A câmara clara e o puncto de Roland Barthes um autor e referência que aprecia que é o centro de atenção de cada fotografia, espécie de ímã do olhar.
O fotógrafo alcança o olhar limpo, na empatia da alteridade e no respeito pela luz, na alegria singela que sente na colheita de uma boa foto. E satisfeito com poucas delas, vai embora, feliz e contente.
Assim, em suas fotos, tal clareza, alimentada pela leveza cristalina do ar do Cerrado, é sem igual. Na tessitura, na composição e não custa repetir na ausência de si e de intervencionismos. Dito de outro modo: o tecido de suas fotos é a simplicidade. Por suas imagens, a existência nos assoma.
E os outros: o artista, o político, o artesão, o vizinho, a família, o cidadão. O fotógrafo não faz distinção. Suas fotos não procuram tratamentos, redundâncias, desvios. Mantém-se íntegras, independente dos sujeitos com quem se relaciona. Porque Luiz é pai, é menino. Tem compaixão budista, formada na escola da vida, de sofrimento e paixão, onde o valor da vida não mede hierarquias.
Em seu percurso Luiz busca a paz e o respeito pelo seu ofício no caminho da vida. Ele segue atento e sabe o valor do engajamento e do encontro. E a janela da lente traduz o olhar do fotógrafo em poesia, na pureza que é devota de Coralina.
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